Um trágico acidente aéreo ocorrido no final da tarde de terça-feira, 23 de setembro de 2025, em Aquidauana, na região do Pantanal sul-mato-grossense, resultou na morte de quatro pessoas e comoveu comunidades ligadas à arquitetura, ao cinema e à aviação. A queda de um monomotor Cessna 175, fabricado em 1958, tirou a vida do renomado arquiteto chinês Kongjian Yu, dos cineastas brasileiros Luiz Fernando Feres da Cunha Ferraz e Rubens Crispim Jr., além do piloto e proprietário da aeronave, Marcelo Pereira de Barros.
O acidente
Segundo informações do Corpo de Bombeiros de Mato Grosso do Sul, todos os ocupantes morreram no local da queda, registrada por volta das 18h30 em uma área rural próxima a uma fazenda. A aeronave, que tinha capacidade para quatro pessoas, foi encontrada destruída em meio à vegetação. Até o momento, não há confirmação sobre as causas do acidente. O Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) e a Polícia Civil já iniciaram a perícia para apurar o que motivou a tragédia.
O avião, comprado em 2015 pelo piloto Marcelo Pereira, possuía documentação regular e estava autorizado a operar apenas voos diurnos, com uso exclusivo em serviços privados. O monomotor não tinha certificação para atuar como táxi aéreo, embora fosse usado em deslocamentos pela região do Pantanal.
As vítimas
O acidente vitimou profissionais de grande destaque em suas áreas.
Kongjian Yu, professor da Universidade de Pequim e diretor do escritório de paisagismo Turenscape, era considerado uma das maiores autoridades mundiais em arquitetura urbana sustentável. Conhecido como o “pai das cidades-esponja”, defendia projetos que conciliam áreas urbanas e recursos hídricos, permitindo absorver a água da chuva, prevenir enchentes e conservar reservas para períodos de estiagem. Em setembro, ele havia vindo ao Brasil para palestrar em Brasília durante a Conferência Internacional do Conselho de Arquitetura e Urbanismo, e aproveitava a estadia para colaborar em projetos de documentário.
Luiz Fernando Ferraz, documentarista e sócio da Olé Produções, construiu uma carreira sólida explorando temas sociais e históricos. Entre suas obras destacam-se O Bixiga é Nosso, sobre a herança afrodescendente no bairro paulistano, e Futebóis, que abordou a participação feminina nos gramados. Luiz também dirigiu a série sobre a tragédia da Chapecoense, indicada ao Emmy Internacional em 2019, consolidando seu nome no cenário audiovisual.
Rubens Crispim Jr., diretor de fotografia e artista visual, era sócio da produtora Poseídos, dedicada a filmes autorais e experimentais. Formado em artes plásticas pela USP, atuava no audiovisual havia duas décadas e era referência na criação de imagens poéticas e inovadoras.
Marcelo Pereira de Barros, piloto experiente, era proprietário do monomotor acidentado e trabalhava na empresa Aerotrip, especializada em voos particulares no Pantanal. Colegas o descreveram como apaixonado pela aviação e profundamente comprometido com a segurança dos passageiros.
O trabalho interrompido
As gravações que reuniram o arquiteto e os cineastas no Pantanal giravam em torno justamente do conceito de cidades-esponja, marca da carreira de Kongjian Yu. A proposta do documentário era mostrar como cidades brasileiras poderiam aplicar tais ideias em regiões suscetíveis a enchentes, valorizando soluções urbanísticas integradas ao meio ambiente. A produtora Olé Produções confirmou que a equipe estava em campo registrando imagens, mas não detalhou em que fase estava o projeto.
Em nota, a Olé Produções lamentou profundamente o ocorrido e agradeceu pelas mensagens de solidariedade. A produtora ressaltou a contribuição de Luiz e Rubens para o cinema documental brasileiro, afirmando que o legado de ambos “seguirá inspirando novas gerações”.
Repercussão
A morte de Kongjian Yu causou comoção internacional. Além de ser um arquiteto premiado e respeitado, ele era membro honorário da Academia Americana de Artes e Ciências e uma das vozes mais influentes na defesa da transformação verde das cidades. Sua ausência será sentida em projetos que conectam urbanismo, sustentabilidade e qualidade de vida em diversas partes do mundo.
No Brasil, cineastas, artistas e arquitetos expressaram pesar nas redes sociais, lembrando o impacto do trabalho das vítimas. Para muitos, o acidente representa não apenas uma perda humana, mas também o fim abrupto de colaborações e projetos promissores.
Uma investigação em aberto
Enquanto amigos e familiares das vítimas lidam com o luto, as autoridades brasileiras se concentram em esclarecer as circunstâncias do acidente. O relatório do Cenipa, que deve levar meses para ser concluído, será fundamental para apontar as falhas que levaram à queda do monomotor e propor medidas de prevenção para evitar novas tragédias.
O acidente em Aquidauana expõe, mais uma vez, os riscos de voos em aeronaves de pequeno porte no Brasil, especialmente em regiões isoladas, mas também ressalta o impacto profundo da perda de figuras de relevância internacional.
No fim, a tragédia não apagará o legado de Kongjian Yu, Luiz Ferraz, Rubens Crispim Jr. e Marcelo Pereira, mas reforçará a memória de que seus trabalhos foram interrompidos de forma abrupta — e de que o Pantanal foi palco não apenas de uma filmagem promissora, mas também de um luto coletivo que ecoará por muito tempo.