A tensão política voltou a dominar Brasília nesta quarta-feira (3), quando a defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) endureceu o discurso durante o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF). O advogado Paulo Cunha Bueno afirmou que a absolvição do cliente é “imperiosa”, buscando sensibilizar os ministros na última fala antes do aguardado veredito. O processo, que deve ter decisão já na próxima semana, investiga se Bolsonaro articulou um golpe de Estado para se manter no poder após a derrota para Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2022. A possibilidade de uma condenação reacendeu não apenas a disputa jurídica, mas também o embate político e internacional em torno do ex-presidente.
Na tribuna, Bueno traçou um paralelo ousado: comparou o caso de Bolsonaro ao “Caso Dreyfus”, episódio histórico que marcou a França no início do século XX e se tornou sinônimo de erro judicial e perseguição política. A evocação desse símbolo buscou dar peso à tese de que o ex-presidente estaria sendo alvo de um processo injusto. A estratégia foi clara: transformar Bolsonaro em personagem de uma narrativa de vítima, perseguido por setores do Judiciário. Ainda assim, a Procuradoria-Geral da República (PGR) sustenta que o ex-presidente não apenas cogitou um decreto de estado de sítio, como também teria participado da elaboração de planos que incluíam a morte de Lula, de Geraldo Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes.
A gravidade das acusações é tamanha que o julgamento transcendeu o âmbito jurídico e passou a repercutir diretamente no cenário político. Segundo a PGR, a conspiração só não avançou por falta de apoio da cúpula militar, mas os indícios teriam sido suficientes para mostrar a intenção golpista. Bolsonaro, por sua vez, nega todas as imputações. Aos 70 anos, insiste em dizer que não há provas concretas que o liguem aos episódios, incluindo os atos violentos de 8 de janeiro de 2023, quando manifestantes depredaram as sedes dos Três Poderes em Brasília. O advogado Celso Vilardi, também integrante da defesa, reforçou essa linha: “não existe uma única evidência que ligue o presidente” aos supostos planos.
Mesmo em prisão domiciliar desde agosto, Bolsonaro ainda movimenta o tabuleiro político. Se condenado, poderá pegar até 43 anos de prisão, mas recursos podem atrasar uma definição definitiva por meses ou até anos. Essa indefinição alimenta as estratégias de aliados, que trabalham para manter o nome do ex-presidente vivo na cena pública e, se possível, no jogo eleitoral de 2026. No Congresso, essa movimentação se reflete na articulação em torno de uma anistia ampla, que poderia beneficiar não apenas Bolsonaro, mas também centenas de apoiadores condenados pelos atos antidemocráticos.
A proposta de anistia ganhou força após declarações do senador Flávio Bolsonaro, filho mais velho do ex-presidente, e também pela atuação do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, que visitou Brasília e levou o tema para o centro das conversas políticas. Tarcísio, ex-ministro de Bolsonaro e visto como potencial presidenciável, sabe que a bandeira da anistia ressoa com a base bolsonarista. Por outro lado, líderes governistas como Lindbergh Farias (PT) já indicaram que o projeto dificilmente prosperará, seja por um veto do presidente Lula, seja por eventual decisão contrária do próprio STF.
A repercussão ultrapassou fronteiras e provocou um choque diplomático. Nos Estados Unidos, Donald Trump classificou o julgamento como uma “caça às bruxas” e anunciou tarifas contra exportações brasileiras, além de sanções contra ministros do Judiciário. A postura de Washington gerou desconforto em Brasília e fortaleceu a campanha internacional em defesa de Bolsonaro, liderada por seu filho Eduardo, que se reuniu com parlamentares norte-americanos em busca de apoio. O episódio ampliou a percepção de que o caso Bolsonaro não é apenas um tema de justiça doméstica, mas um elemento de disputa geopolítica.
O que está em jogo, portanto, vai além do destino individual do ex-presidente. De um lado, há a pressão por uma decisão firme do STF para reafirmar os limites institucionais e a responsabilidade pelos ataques de 8 de janeiro. Do outro, há a movimentação política e internacional que tenta transformar Bolsonaro em símbolo de perseguição, mobilizando sua base e testando a resiliência das instituições brasileiras. Até a próxima semana, quando o Supremo deve bater o martelo, Brasília seguirá imersa em tensão: a cada movimento, cresce a sensação de que o futuro político do país ainda está sendo escrito, linha por linha, nos autos do processo e nas negociações nos bastidores do poder.